Já foi dito aqui nO Magriço Cibernético muitas vezes, e nunca além do necessário, que
o sentido de um texto é garantido pela ligação entre os elementos que o
compõem. Nas postagens anteriores (03 e 10 de abril), verificou-se que a
manipulação desajeitada desses ingredientes produz resultados desastrosos e
indesejados. Hoje, começaremos a ver exemplos do fotojornalismo de como efeitos
surpreendentes podem ser obtidos graças ao bom manuseio dessas partes
integrantes.
O primeiro exemplar a ser analisado foi
publicado na primeira página do caderno Ilustrada da Folha de S. Paulo de 03 de abril de 2016, em matéria sobre a nova
fase da novela Os Dez Mandamentos. O
fotojornalista Ricardo Borges, da Folhapress, conseguiu um jogo de dissonância
bastante chamativo entre a atmosfera de Bíblia criada pelas roupas e pelo set de filmagem e a atmosfera de
tecnologia e de cultura dos selfies criada
pelo celular. Haverá aí a mensagem subliminar da impossibilidade de se resgatar
com fidelidade o passado, pois este sempre estaria contaminado pelo espírito do
tempo que o observa?
No entanto, essa forma de trabalho
editorial não é nova, como se comprova na já clássica imagem abaixo:
Vemos acima o então presidente Jânio
Quadros, que governou o Brasil de forma polêmica em 1961. Todo o seu gestual
desarticulado acaba passando muita informação valiosa. O fato de rosto, tronco,
perna esquerda e perna direita assumirem cada um posições diferentes parece
metaforizar o caráter errático das atitudes políticas desse governante, como os
historiadores podem atestar.
Outra imagem interessante é a seguinte:
Nessa foto fica claro no que se baseia
uma boa peça do fotojornalismo: captar o momento exato, às vezes com manipulação
de ingredientes, de maneira a criar uma mensagem subentendida. No presente
caso, a luz incidindo sobre os dedos de José Serra produz atrás dele uma sombra
que imita chifres, sugerindo a imagem desse político como malévolo ou até mesmo
diabólico.
Nesse ponto, salta uma questão
preocupante: até que ponto essa manipulação pode resultar em distorção da
realidade? Pode-se realmente acreditar que o referido político teria um lado
demoníaco? Para não tornar essa discussão partidária, observe-se outro exemplo,
vindo de outro espectro político:
A foto acima, de Pedro Ladeira, serviu
para ilustrar matéria de 14 de fevereiro de 2015 da Folha de S. Paulo (p. A5) a respeito de suspeita de que o então
ministro da justiça, José Eduardo Cardozo, teria tido encontros com advogados
dos réus da Lava Jato. A forma como essa autoridade e o procurador-geral da
República Rodrigo Janot foram flagrados, com mãos cobrindo boca, sugere uma
disposição para trabalhar às ocultas, o que contamina a reportagem, pois deixa
a entender que a reunião com os advogados foi uma atitude escusa.
A análise dos exemplos acima deixa reforçada
uma dúvida: ao captar um flagrante que represente não um momento específico,
mas a conjuntura em que está inserido; ao confirmar a tão batida máxima de que
uma imagem vale mais do que mil palavras, até que ponto o fotojornalismo estaria
a serviço de uma informação confiável? Para
complicar essas considerações, veja-se mais uma foto:
O fotógrafo Wilson de Sousa Jr, do Estado de S. Paulo, captou o instante em
que Dilma Roussef participava de uma cerimônia em 2011 na Academia das Agulhas
Negras. Era uma semana terrível para a presidente, pois acabara de, no espaço
de oito meses, afastar o quinto ministro graças a acusações de corrupção. A
chefa de estado havia ganhado a incômoda fama de faxineira, mas a foto, que
chegou a ser premiada na Espanha, acabou criando outra realidade: a de uma
líder atacada pelas costas. Além disso, sua postura inclinada e retraída sugere
enfraquecimento. Há muito mais ainda a interpretar, como o verde-amarelo do pulso
do atacante, a luva branca, o ambiente militar em que a vítima se encontra, o
verde (e não o vermelho) de sua roupa. Entretanto, todos esses elementos
reforçam a discussão problemática que se está tendo a respeito da linha tênue
entre manipulação e distorção. No plano denotativo, a espada está logo atrás da
comandante. No entanto, somos levados (ou iludidos) pelo fotojornalista a crer
em outra realidade, o que criou leitura diferente no plano denotativo.
Enfim, encontram-se em todos esses exemplos
fatores que colocam em foco como a manipulação de elementos constitutivos de um
texto pode criar significados a refletir, reforçar ou até mesmo distorcer a
realidade em que se está inserido. Essas questões continuarão a ser discutidas na próxima postagem.
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