domingo, 17 de abril de 2016

Fotojornalismo: manipulação e distorção - Parte I



Já foi dito aqui nO Magriço Cibernético muitas vezes, e nunca além do necessário, que o sentido de um texto é garantido pela ligação entre os elementos que o compõem. Nas postagens anteriores (03 e 10 de abril), verificou-se que a manipulação desajeitada desses ingredientes produz resultados desastrosos e indesejados. Hoje, começaremos a ver exemplos do fotojornalismo de como efeitos surpreendentes podem ser obtidos graças ao bom manuseio dessas partes integrantes.
O primeiro exemplar a ser analisado foi publicado na primeira página do caderno Ilustrada da Folha de S. Paulo de 03 de abril de 2016, em matéria sobre a nova fase da novela Os Dez Mandamentos. O fotojornalista Ricardo Borges, da Folhapress, conseguiu um jogo de dissonância bastante chamativo entre a atmosfera de Bíblia criada pelas roupas e pelo set de filmagem e a atmosfera de tecnologia e de cultura dos selfies criada pelo celular. Haverá aí a mensagem subliminar da impossibilidade de se resgatar com fidelidade o passado, pois este sempre estaria contaminado pelo espírito do tempo que o observa?
No entanto, essa forma de trabalho editorial não é nova, como se comprova na já clássica imagem abaixo:



Vemos acima o então presidente Jânio Quadros, que governou o Brasil de forma polêmica em 1961. Todo o seu gestual desarticulado acaba passando muita informação valiosa. O fato de rosto, tronco, perna esquerda e perna direita assumirem cada um posições diferentes parece metaforizar o caráter errático das atitudes políticas desse governante, como os historiadores podem atestar.
Outra imagem interessante é a seguinte:

  
Nessa foto fica claro no que se baseia uma boa peça do fotojornalismo: captar o momento exato, às vezes com manipulação de ingredientes, de maneira a criar uma mensagem subentendida. No presente caso, a luz incidindo sobre os dedos de José Serra produz atrás dele uma sombra que imita chifres, sugerindo a imagem desse político como malévolo ou até mesmo diabólico.
Nesse ponto, salta uma questão preocupante: até que ponto essa manipulação pode resultar em distorção da realidade? Pode-se realmente acreditar que o referido político teria um lado demoníaco? Para não tornar essa discussão partidária, observe-se outro exemplo, vindo de outro espectro político:


A foto acima, de Pedro Ladeira, serviu para ilustrar matéria de 14 de fevereiro de 2015 da Folha de S. Paulo (p. A5) a respeito de suspeita de que o então ministro da justiça, José Eduardo Cardozo, teria tido encontros com advogados dos réus da Lava Jato. A forma como essa autoridade e o procurador-geral da República Rodrigo Janot foram flagrados, com mãos cobrindo boca, sugere uma disposição para trabalhar às ocultas, o que contamina a reportagem, pois deixa a entender que a reunião com os advogados foi uma atitude escusa.
A análise dos exemplos acima deixa reforçada uma dúvida: ao captar um flagrante que represente não um momento específico, mas a conjuntura em que está inserido; ao confirmar a tão batida máxima de que uma imagem vale mais do que mil palavras, até que ponto o fotojornalismo estaria a serviço de uma informação confiável?  Para complicar essas considerações, veja-se mais uma foto: 



O fotógrafo Wilson de Sousa Jr, do Estado de S. Paulo, captou o instante em que Dilma Roussef participava de uma cerimônia em 2011 na Academia das Agulhas Negras. Era uma semana terrível para a presidente, pois acabara de, no espaço de oito meses, afastar o quinto ministro graças a acusações de corrupção. A chefa de estado havia ganhado a incômoda fama de faxineira, mas a foto, que chegou a ser premiada na Espanha, acabou criando outra realidade: a de uma líder atacada pelas costas. Além disso, sua postura inclinada e retraída sugere enfraquecimento. Há muito mais ainda a interpretar, como o verde-amarelo do pulso do atacante, a luva branca, o ambiente militar em que a vítima se encontra, o verde (e não o vermelho) de sua roupa. Entretanto, todos esses elementos reforçam a discussão problemática que se está tendo a respeito da linha tênue entre manipulação e distorção. No plano denotativo, a espada está logo atrás da comandante. No entanto, somos levados (ou iludidos) pelo fotojornalista a crer em outra realidade, o que criou leitura diferente no plano denotativo.

Enfim, encontram-se em todos esses exemplos fatores que colocam em foco como a manipulação de elementos constitutivos de um texto pode criar significados a refletir, reforçar ou até mesmo distorcer a realidade em que se está inserido. Essas questões continuarão a ser discutidas na próxima postagem.

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